sábado, 22 de agosto de 2009

A janela fechada

 
Posted by Picasa



O homem acorda ao sentir dentro si um revolver intenso, como se algo o chamasse desesperadamente. Já não era a primeira vez que isto lhe sucedia mas sempre ficava assustado. Tentou, infrutiferamente, acalmar-se.

Desta vez a sacudidela interior era mais forte, mais intensa, como se existisse outro ser dentro de si, agora com uma voz nova, mais forte, mais urgente.
Era uma voz feita de longos silêncios. Era uma voz de conflitos. Era a voz do tempo. Era a voz do sonho.

Foi então que voltaram as imagens. Imagens de tempos antigos onde a própria memória se perde. Voltou àquela casa distante da sua infância. Havia vozes que murmuravam atrás das paredes e que o incitavam a escutá-las. Detém-se uns instantes, encolhe-se, pressentindo um perigo já conhecido, enquanto as ouve sussurrando:

- nunca espreites pelas janelaasssssssss… nuncaaa espreiteeessssss. Atrás das janelas está o vento e o vento é um monstro feito de ar que te agarra, te leva e não voltas nunca mais.

Sempre esteve atento aos sons da penumbra, sempre fez o que lhe pediam e nunca, nunca em toda a sua vida, olhou através de uma janela.
Perdeu, assim, o outro lado das coisas.

Agora assaltam-no, entontecendo-o, as recordações do seu primeiro e único amor.
Mais tarde, chegou até a rejeitar o amor.

Um dia viu-a, navegando dentro de um vestido azul, mesmo ao lado de sua casa. Habituaram-se a descobrir-se nas manhãs ensolaradas. Com as primeiras chuvas chegou também o amor. E com o amor, as ameaças de sua mãe. Continuaram a ver-se às escondidas mas foi fugaz essa alegria. Um dia alguém os viu beijando-se no recato de uma sombra e pouco depois já todos sabiam. Como sempre, a ameaça chegou para resolver tudo. Bastou isso para deitar ao chão o incipiente sonho. O sonho foi-se junto com o amor. Tampouco lutou por ele.

Neste momento continua deitado na cama com vontade de morrer. O seu tumulto interior intimida-o e apenas deseja que desapareça.
Não sabe que são os últimos resquícios do sonho esperando por uma janela.
Sempre desconhecerá de que é feito o sonho. Nunca saberá sequer que um dia sonhou olhar através de uma janela. Somente espera pela morte. Sabe que virá e não necessita mais.

Resta saber se, morto, descobriu que nem sequer havia vivido.

7 comentários:

  1. Eu tenho as minhas abertas. Juro. Escancaradas. Só que... non omne id quod fulget, aurum est!
    (lol)

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  2. Chiça, red shoes,estás muito inspirada.

    ( já te disse que adorei este teu texto?)

    Vá, quero mais destes teus textos!

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  3. Ars est celare artem. Com esta te tramei!

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  4. Tradução: "Arte é esconder arte".


    (O Dr. Google é fantástico!)

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  5. 19 valores. Para 20 devias ter colocado o artigo e substituir o "ser" por "estar": A arte está em esconder a arte. Para explicações mais profundas contactar a "Linha Vermelha - Kinky".

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  6. Bem... como eu adoro estas citações em Latim... Vê-se mesmo que fizeste os teus "80% em casa"... Fomos um espectáculo de alunas!!

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  7. Então não fomos!! 5 estrelas. Lembras-te daquela frequência onde acertamos a tradução toda menos a última frase. Culpa do explicador, claro, que não nos deu o texto inteiro. Podia eu ter tido 20. Sou uma injustiçada, lol

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Lembre-se que a vida são dois dias, o carnaval são três e tristezas não pagam dívidas.