segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O dia era de mudança

Levantou-se com uma urgente vontade de mudança.
Tomou um banho, vestiu-se, calçou-se, maquilhou-se, perfumou-se, colocou a carteira ao ombro e saiu porta fora.
Chovia. Ping, pingo que molha, ping. Detestava os dias de chuva. Deixavam-na mole.
Mete-se no carro, pega no comando e aponta-o ao portão. Ouve o familiar ranger do dito, liga o carro, mete a mudança adequada e vai-se.
Para onde vai ela? Ela própria não decidiu. Vai e chega-lhe por agora.
Chegou. Sai do carro, abre o guarda-chuva que ainda continua o ping, pingo que molha ping. Esboça uma pequena corrida. Entra. Cumprimenta. Coloca o guarda-chuva no sítio adequado. Dirige-se à cadeira vazia e senta-se. Nisto levanta-se e agarra uma revista. Senta-se. Folheia, metodicamente a revista, sem deter o olhar em coisa nenhuma. Espera, pacientemente, pela sua vez.
À hora marcada, senta-se na cadeira que lhe indicaram. Liga o botão da massagem e sente o afago da máquina nas costas. Gosta. Pedem-lhe que se afaste um pouco. Afasta-se complacente. Colocam-lhe o resguardo. Molham-lhe a cabeça. Sente a carícia da água quente. De novo gosta. Colocam-lhe o shampoo. No entretanto, massajam-lhe a cabeça. Não gosta mas não diz nada. Retiram o shampoo, colocam amaciador. De novo massajam. Passam por água. Tiram o excedente de água com uma toalha. Retiram a toalha e colocam outra nova com a qual lhe envolvem a cabeça. Desligam o botão da massagem. Pedem-lhe que se sente noutra cadeira, desta vez sem massagem. Assente.
- Então, como é que vai cortar? – perguntam.
- Curto – responde.
- Muito curto – acrescenta.
- Tem a certeza? – perguntam.
- Absolutamente – confirma.
Cortam, cortam, cortam, cortam. Ela olha, olha, olha, olha. Alegra-se. Arrepende-se. Entristece-se. Mentaliza-se.
Olha de relance para o espelho que lhe mostram. Responde laconicamente que sim, que gostou. Levanta-se. Dirige-se ao caixa. Pergunta pela conta. Dizem-lhe. Paga. Pega no guarda-chuva. Despede-se. Sai.
Entra no carro. Liga o carro. Mete a mudança adequada. Faz pisca. Faz-se à estrada. Vai. Chega a casa. Abre o portão. Mete o carro. Fecha o portão. Sente o frio nas orelhas, agora descobertas. Gosta. Entra em casa. Vê-se ao espelho. Não sabe se gosta. Olha de novo. Está mais leve. Não sabe ainda se gosta. Sabe que mudou. O dia era de mudança. Cumpriu-o.


A foto não é a dela. Mas podia ser. O cabelo tem igual comprimento.


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7 comentários:

  1. Lindo, quero ver. Assim posso cortar o meu igual ou mais curto....

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  2. Mais curto não deve dar. A seguir a isto só careca.

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  3. Gostei... Mas eu sou suspeita pelos meus habituais cabelos longos!! lol Durante muitos anos foi dificil mudar... só rapando...
    Hoje estou numa fase de mudança e lá vou aguentando as melenas...
    Beijinhos

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  4. Isto não foi um corte de cabelo. Foi o guião de um filme sobre um corte de cabelo.
    Belíssima descrição, o que me faz pensar como de um pequeno episódio se pode fazer um belo post/filme.
    Só tenho pena de ter escamas, e poucas, e portanto não poder aproveitar a ideia...

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  5. Redzinha até já a tirei mas ainda não tive tempo para passar para o computador.
    Anónimo nº 1- Para ti tb vai uma foto.
    Anónino nº 2- Do nada se faz tudo, lol.

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  6. Que grande mudança, mulher!!! Cheira-me que amanhã vou ter um choque, quando a minha vista alcançar apenas o vestígio de cabelo que te habitou o crânio em tempos... :D

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Lembre-se que a vida são dois dias, o carnaval são três e tristezas não pagam dívidas.